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Ainda não havia passado muito tempo, era tão recente, a notícia (ruim) acabava de sair do forno e a jovem ainda estava digerindo como os fatos ocorreram.  
Calíope se encontrava sentada nos degraus da casa de áries olhando para o lado de fora, pensando, procurando uma forma de contar aquela morte a alguém que sofreria tanto. Aliás, sofreu tanto. Só a filha de Violet sabia o quanto a genitora havia sofrido por aquele amor, por aquele homem.


“Eu não faço a minima ideia de como dizer isso a ela.”

Um suspiro longo, o olhar se eleva para os céus, como seu espera-se deles uma solução.

-Eu acho que te odeio agora mais que antes, Giovanni. - encosta a cabeça nos joelhos e começa a fazer um exercício de respiração.  Sabia que deveria voltar em casa e contar tudo, mas procurava a coragem para magoar alguém.



- Maldizer os mortos dá azar. - a voz de Lygia interrompia o ritmo das respirações de Calíope, como se quisesse protegê-la do mau presságio.

Ela podia sentir a indecisão e a compaixão pairando ao redor da amiga, como uma nuvem tóxica e sufocante. Ela estava triste e sentia dor. Mas não a dela; ela sofria pelo sofrimento de alguém.Lygia suspirou, sentando-se ao lado dela na escadaria da primeira casa.

- E ficar preocupada assim vai te dar rugas. - ela completou,  passando o indicador suavemente sobre a linha entre as sobrancelhas de Calíope - O que houve agora?



Calíope levanta a cabeça e respira fundo, dá um sorriso meio triste, inconsolado.

-Azar… eu já quebrei alguns espelhos. - espera a menina se ajustar ao seu lado e ri silenciosa quando ela fala e rugas. - Eu tô com uma missão muito mais difícil que recuperar a tag. -  Volta a olhar pro céu. - Sabe, Lygia, eu posso não sentir nada por Giovanni, mas tenho alguém em casa que sempre foi apaixonadíssima por ele.  - faz um pausa. A imagem de Violet lhe vem à mente. - Apesar de tudo que ele fez, ela o ama. Entende a dificuldade da minha missão ?

Seu avô e sua mãe, sua família, pequena, mas era sua. Fortes e felizes, mesmo com algumas desavenças, eles nunca se separavam, pelo menos não no coração. Quando Calíope tomou a decisão de ficar com Leila e treinar para virar uma Amazona, sua mãe não a contrariou, seu avô não gostou, preferia uma neta musicista, mas apoiou.  Ela os amava tanto e ver qualquer um deles sofrendo, a fazia sofrer.


Lygia ouvia as palavras de Caliope com atenção. Sim, ela entendia a dificuldade da missão da amiga. Giovanni podia ser um estranho para ela, mas não o era para as pessoas mais queridas ao seu coração. E era isso que pesava no coração de Caliope, como Lygia podia sentir.

Ela suspirou, colocando os braços para trás do corpo, olhando para o céu.

- A notícia não irá melhorar, independente de quem a entregue. - ela racionalizava o irracional - E você parece ter a força necessária para lhes dar o suporte que precisam. Não precisa dizer que está triste ou que sentirá a falta dele, caso seja sua posição. Mas você pode dividir a dor deles de uma forma que nenhum estranho poderia, mesmo que esse estranho estivesse em luto.

Lygia olhou com o canto do olho para Caliope, dando-lhe um pouco de privacidade enquanto ela poderia digerir suas palavras

- O que você acha disso?


-Eu não sinto falta dele.  - Foi seca e direta. -  Lygia, eu passei quase minha vida toda esperando por ele. Eu comprei presentes nos dias dos pais, nos aniversários e até nos natais. Aguardei por ele em todas minhas apresentações.  Giovanni sempre foi só um conto de fadas. Uma história que minha mãe contava todos os dias.   - Na mente de Calíope, as imagens de vários momentos em que ela esperava por Giovanni e sua mãe, avô ou alguma empregada dizia que ele não iria vir, ou apenas a colocava na cama. - Todo mundo aqui gosta de criticar o que eu penso, ou quando digo que não sinto nada por ele ter morrido. Pra mim ele está voltando a ser o que era. Um fantasma. Giovanni nunca foi presente na minha vida.
Era a primeira vez que ela se abria com alguém, além de Leila. A amazona de lira sentira na jovem ao seu lado, confiança o suficiente pra poder contar sua trajetória. Coça o nariz, como se quisesse disfarçar algo.
-Cheguei aqui... Um dia, eu descobri que ele tinha virado Cavaleiro. E descobri que ele estava bem perto, quer dizer vovô descobriu por mim. Então eu fui encontrar ele... – faz uma pausa, aquele foi o dia mais dolorido da vida dela. – Naquele dia Giovanni morreu para mim.  Ele fez, mais uma vez, o que já fazia por anos.  E foi ali que qualquer laço que existia, se rompeu. – Então vem, tudo o que Calíope tanto estava segurando, as lágrimas correm pelo rosto, rápida, quase violentas. – Ele pode ter sido um grande homem aqui, mas para a filha dele, foi uma pessoa horrível. Então, eu não posso sentir nada por alguém que já estava morto.
Abraça os joelhos e encosta a cabeça neles, escondendo o rosto que derramava as lágrimas guardadas de tantos anos. Passa alguns segundos assim, até que levanta a cabeça e volta olhar para Lygia.
- Todo mundo me julga, mas será que eles olharam o meu lado?!  – Sentia um misto de raiva e frustração. -  E agora eu tenho que contar para minha mãe que ele morreu, aturar todo mundo apontando o dedo, me chamando de ingrata. Sinceramente, eu o detesto muito mais do que antes.


- E daí?

A secura e objetividade da pergunta de Lygia poderiam soar chocantes. Ela pegou ar, voltando-se para Calíope de corpo inteiro agora, apoiando os braços nas pernas que acabara de cruzar.

- As pessoas parecem ter a noção errada de que afeto, afinidade ou mesmo respeito são coisas inerentes a uma posição. - ela discorria, girando os olhos - Não tenho nada contra nem a favor de Giovanni de Cefeu. Por que? Por que eu não o conheci. É horrível perdemos um guerreiro experiente como ele, numa hora como essa? Lógico. Vou me vestir de preto e sair chorando em praça pública? Por que? Pessoas não se tornam santos quando morrem; se não arrumaram sua bagunça em vida, ninguém pode esperar que os vivos perdoem tudo quando eles se vão. Se fosse assim, não precisaríamos de herdeiros. Da mesma forma que eu não vou respeitar Milena só por ela ter uma armadura de ouro, você não deve nada a Giovanni por ele ser seu pai. Aquela vadia atiça meu desprezo a cada chance que tem. E pelo o que vocÊ me falou, Giovanni nunca fez nada que não fosse incentivar sua indiferença. Por que alguma coisa mudaria agora?

Lygia apoiou então o queixo numa das mãos, soprando a franja para cima.

- E as pessoas vão falar, não importa o que você faça, pois aparentemente, nem todo mundo tem cavaleiros negros para caçar. - Lygia ponderou um pouco, estalando a língua contra o céu da boca - Outros são só idiotas intrometidos mesmo. - e deu de ombros.

Depois de um discurso prático, ela voltou a apoiar as mãos ao lado do corpo, mas dessa vez, pousou uma delas sobre a mão de Caliope, acariciando-a de forma confortadora

- Mas se você quer cumprir qualquer obrigação filial ou algo assim, faça-o com quem merece. Sua mãe e seu avô vão precisar de você. Você não precisa mostrar lágrimas para eles, muito menos fingir luto. Mas você pode prometer vingar a dor deles. - ela sorriu de leve, encorajando a outra - Você não precisa vingar Giovanni nem nada assim… ao invés disso, você pode prometer trazer o inferno para as pessoas que fizeram sua mãe e seu avô sofrerem daquele jeito. Parece uma proposta melhor?



Pela primeira vez alguém estava mostrando entender o que Calíope sentia, era tão reconfortante. Os olhos marejados da jovem observam a mão de Lygia, como uma pessoa que conhecia a tão pouco tempo conseguia entender mais que Leila?

-Obrigada… -  seca as lágrimas. Era muito bom ter o apoio de alguém.  -  De coração, a gente pouco se conhece e você …- ela rir  - Obrigada.

A amazona de pavão estava certa, as pessoas estariam sempre falando, entendiam mal algumas coisas, somente a verdade deles era correta, qualquer outra era considerada errada.

-Não me entenda mal, mas… -  passa as mãos pelo rosto rosado de tanto chorar. -  Gostaria de me acompanhar nessa volta a casa? Berna é linda, você vai adorar!


- De nada. - Lygia deu de ombros um pouco sem jeito. E então, Calíope fez seu pedido.

Oi?

Certo… Mas exatamente como que ela poderia ser de alguma ajuda…?

Lygia suspirou. Ela estaria imune a qualquer exigência ou expectativa. O que já seria uma posição mais que suficiente para servir como apoio moral para a amiga.

Sim, elas se conheciam a pouco tempo, mas Calíope a tinha dado a cortesia de ouvi-la antes de julgá-la pela fama.

E aquilo era mais do que lygia podia dizer de boa parte do Santuário.

- Será um prazer. - ela sorriu para Calíope, aceitando o convite.



Por que chamar Lygia? Porque iria precisar de um apoio e a Pavoa foi a única que o ofereceu.  Mesmo com o rosto  inchado de chorar, Calíope sorri.  


-Podemos ir então? Não precisa levar nada, vai ser um bate e volta. Não podemos demorar… nem quero… -Levantou. -  Tem um portal bem próximo.

Calíope espera a nova amiga levantar para seguirem rumo a Rodorio.  Leila já estava sabendo que a menina precisava voltar para casa, não havia ninguém a avisar.

-Então, quer dizer que um certo Lobo foi salvar a Chapéuzinho…-  disse provocando Lygia.


- Não sei do que você está falando. - Lygia se levantou, limpando a roupa e tomando a dianteira de Caliope.

Mas a outra teria tempo de ver o rubor que se espalhava nas orelhas dela, invadindo as bochechas.



Dava para ver que Lygia havia ficado sem graça com o comentário. Mas também dava para perceber que aqueles dois… bem acontecia algo entre eles.

-Ly, já tivemos essa conversa lá nas compras lembra?! Acontece algo entre vocês, aceite. Só não percebe quem não quer. - diz séria.  - Não faça o defunto e ignore quem sente algo por você… Deixa isso fluir, de verdade… deixa.

O que Calíope entendia daquele assunto?! Nada. Nunca havia se apaixonado de verdade. Aquilo que todos chamam de primeiro amor. A garota não sabia nem reagir a gestos educados vindo de um garoto. Era extremamente tímida. Seu primeiro beijo foi uma aposta.  Entretanto, ela sempre leu muito, sua mãe era uma apaixonada incorrigível. Talvez fosse dela que vinha as coisas que a jovem Lira estava falando.


Lygia suspirou, parando de andar por um momento, até Caliope emparelhar com ela.

- Eu não posso. - ela declarou, quase com pesar na voz, mas uma inspirada funda depois, e já estava de volta ao normal - Meu apelido não é Cadela de Athena de graça; eu não sou uma boa pessoa. - ela explicou com a naturalidade de quem fala sobre o clima - Se eu quiser realmente acreditar de que eu gosto dele… então mantê-lo afastado e a uma distância segura é o melhor que eu faço.

Nem todo mundo via lógica no que eu dizia, mas nem todo mundo sabia do que eu era capaz… Então… era melhor eu me manter focada no meu plano.

- Mas hoje o assunto é você, e não os meus dramas hipotéticos. Foco.



-Eu discordo totalmente.  - Respondeu a amiga que tentava sair pela tangente. Ok, Lygia não queria conversar sobre aquilo, ou melhor, sobre Hank.  - Hoje, eu vou relevar. Mas ainda vamos conversar sobre isso.

Caminhavam calmamente até Rodorio, quanto mais se aproximavam do portal, mais ansiosa Calíope ficava. Ela então para, por mais que sua mente quisesse continuar, seu corpo estava paralisado. Como dar uma notícia tinha se tornado muito pior que uma missão?

-Lygia… eu não sei se …  - ela olha pra trás, sua vontade mesmo era de correr para sua quarto no alojamento. - Eu… droga..  - ela apoia as mãos no joelho e respira fundo. - Calma, Caliope, você consegue!


- Aham, claro… - eu concordei, apenas fazendo-a andar para a frente.

Mas o inevitável medo nos alcançou. Observei Caliope se apoiar, e eu podia sentir a vontade dela de correr em qualquer outra direção que não àquela. Eu suspirei, colocando uma mão sobre seu ombro e fiz uma ligeira pressão, para mostrar que eu estava lá.

- É lógico que você consegue. - e então, eu inspirei de leve, dissipando as primeiras camadas daquele medo dela. Só o suficiente para que ela pudesse novamente se mover.


Ela volta a se mover, mas ainda assim, sente o medo, angústia. Andam mais um pouco em silêncio, era como se Calíope estivesse se concentrando para não dar meia volta e correr para seu quarto no alojamento. Já conseguiram ver os portais, suspira fundo, cada passo que dá, é movido a incerteza e pavor.

Assim que passam pelo portal, Calíope vê a cidade de Berna, tão bela.


-Ali, se caminharmos um pouco, conseguimos pegar um táxi até minha casa. - É o que fazem, seguem até uma encontrar uma estradinha e pegarem um táxi.

Dentro do veículo, Lygia pode perceber a inquietação de Lira. Se mexia a todo momento, abria e fechava a janela. Aos poucos eles vão se afastando da cidade, passam por uma outra estrada.  Um muro cercado de plantas, cheio de seguranças, um deles para o carro. Calíope abaixa o vidro, e os seguranças liberam a passagem. As jovens ligo conseguem ver um jardim imenso, e ao fundo uma mansão.

O carro para, Calíope entrega o dinheiro ao motorista e sai do veículo.


-Venha…- na porta um senhor de uns 70 anos de idade, alto, barba branca e cabelos curtos alinhados, era até bem apessoado, juntamente dele uma mulher, bem parecida com Calíope, um tanto mais velha, mas de sorriso largos e simpático.

-Meu amor, que saudade que estava! - a mulher abraça Calíope apertado e olha para Lygia - E quem é essa princesa?

-Mãe, esse é Lygia. Lygia essa é minha mãe Violet e meu avô, Douglas. - Caliope apresenta a convidada. O velho encara a neta, ele sabe que há algo de errado.


Durante todo o caminho, Lygia podia sentir a ansiedade de Caliope tendo picos capazes de fazer homens chorarem por suas mães.

E ela ia calmamente suavizando esses picos,mas sem apagar por completo. Aquela sensação era horrível, mas importante para que a amiga vivesse o momento por completo.

E Lygia sabia da importância desse tipo de momento ser devidamente vivido, para poder ser adequadamente superado.

De forma que ela usava sua habilidade apenas o suficiente para tornar aquilo tudo suportável o suficiente para que Calíope fosse até o fim.

No táxi, ela conversava sobre futilidades, sobre a paisagem, o clima e a cidade,com os dedos entrelaçados após de Caliope,segurando sua mão com firmeza.

Era como se dissesse "eu estou aqui", sem ter que abrir a boca.

Ao chegarem na casa, Lygia não escondeu sua surpresa.

- Isso explica muita coisa… - ela comentou, olhando a construção, como se momentaneamente esquecesse da gravidade da situação em que estavam.

Ao ser apresentada, Lygia curvou a cabeça, algo entre o militar e o informal. Aquela família era acostumada ao santuário; não seria difícil de deduzirem de onde a amiga da filha amazona vinha.

- Encantada. - ela cumprimentou, e seus olhos pararam de Violet para Douglas, e ela sentiu.

Aquela intuição que aparentemente vem com a idade, e ao ver os olhos do idoso, ela sabia que ele sabia.

Caso fosse encarada de volta, lygia estava pronta para sustentar o olhar, acenando em solidária concordância.



Violet tinha um sorriso esplendoroso, feliz pela filha está de volta. Já Douglas… bem, o velho sorri para Lygia.

- Seja muito bem-vinda, Lygia! Esse é meu pai, Douglas Fraser. Vamos entrando, Cai não me avisou da chegada, muito menos da visita, mas vou pedir que preparem um banho e uma bela refeição para vocês! - A genitora de lira segura a mão da pavoa e a conduz para dentro da mansão.

Calíope e seu avô ficam para trás, a menina sorri para amiga, sabia o quanto ela fazer amigos significava para a mãe. Douglas vai até a neta e a abraça.

- O que a trouxe aqui, passarinho?  - Douglas sentia algo errado no ar, sua neta nunca ia para casa sem avisar. -O que aquele traste fez agora?

- Ele morreu… - - recebeu o abraço do avô, sentia-se segura naquele momento. - Ele morreu tentando me salvar…

Choque, Douglas também odiava Giovanni, mas não esperava ouvir aquela notícia tão cedo. Maccaferri era um homem experiente, um ótimo Cavaleiro, e o empresário sabia disso. Ele afaga o cabelo da neta, sabia que no fundo ela estava quebrada.

- Você está triste por ela, não é? Por isso trouxe a menina, para tentar amenizar as coisas. Ah, meu passarinho…  

Eles se soltam e de mãos dadas entram na casa. Enquanto isso, Violet mostra o lugar para Lygia. Esta poderia ver o luxo em que sua amiga foi criada, lâmpadas de cristais,  móveis feitos da mais nobre madeira,  mármores… Aquele era o mundinho de Lira.

-Vou pedir as empregadas que te mostrem seu quarto. Fico muito feliz que minha filha finalmente esteja fazendo amigos. O pai dela sempre está de  olho, me disse que ela fica muito reclusa, sabe? Tenho medo disso. - Violet começa o discurso de mãe. - Lygia, fique a vontade, ok? Pode me chamar de Tia se você quiser.  - Ela é energética, bem oposto da filha. Falante, anda como flutuando.

Ela seguia por um corredor imenso, quando escuta a voz forte do pai,  ela chama uma das empregadas e ordena que leve Lygia para o quarto de hóspedes no segundo andar. Calíope passa pela mãe, a abraça e vai em direção a amiga.

-Vem, eu mesma te mostro!  - Elas chegam a uma escada e sobem para o andar de cima.  Muitas portas  -  O meu é aquele. - aponta para a porta grande ao final do corredor.  - E você pode ficar nesse aqui. Qualquer coisa, chame os empregados. Fica a vontade Lygia. Vou pedir que tragam uma muda de roupa minha. Obrigada por vir.   -  Calíope tinha um sorriso triste. Segue para seu quarto.


Lygia foi rapidamente levada para dentro por Violet, que falava sem parar. A amazona sorria o tempo todo, olhando aos arredores enquanto era apontada para eles.

Aos poucos, ia entendo o receio de Caliope. Violet não parecia nem um pouco moldada para aquele mundo delas, onde a morte era companhia constante.

- Não se preocupe, tia… Cali é muito mais forte do que aparenta. - Lygia comentou divertida, mas com sinceridade.

E como se convocada por seu nome, Caliope aparecia para lhe mostrar seu quarto.

Fica à vontade? Bom, aquilo seria difícil… lâmpadas de cristal e servos não eram exatamente o que a deixavam à vontade. Mas sorriu para a amiga.

- Você também. Querendo conversar, eu tenho um sono leve. É só entrar. - ela apontou para a própria porta, assistindo Caliope ir para seu quarto.



Tudo o que ela queria era tomar um banho longo e quente, porém ela tinha algo a mais para fazer. O banho foi rápido,mais rápido do que ela gostaria  Ela vestiu suas roupas, moletom, bem confortável. Encarava o espelho quando a empregada bateu na porta avisando sobre o lanche.

Caminhou até a saída de seu quarto. Passou pelo de Lygia e bateu a porta.


-Lygia?! Posso entrar? - perguntou - Mamãe já preparou o lanche!


Lygia já se encontrava pronta, na muda de roupas que haviam lhe trazido,quitando ouvir as várias na porta.

- Claro! - ela avisou defendo, já se encaminhando para a porta.

Será que ela queria conversar antes, ou encarar logo sua batalha?



-Vamos? - Ela abriu a porta, mas não entrou. Ficou ali aguardando a amiga.  - Preparada para os exageros de Dona Violet? - Era ambíguo. Podia ser a comida, mas também as reações.- Minha mãe nos espera no jardim.

Elas seguem até o lugar, uma caminhada de alguns minutos. O Jardim era adorável, bem no meio dele estava Douglas e a filha, juntamente com uma mesa cheia de delícias.  Violet parecia tão animada, enquanto Douglas estava com os olhos vidrados no jornal enquanto tomava sua xícara de chá.


Lygia riu, imaginando se haveria candelabros cantantes e sobremesas performáticas à mesa.

Ao chegar no jardim, de fato, só saltavam os objetos inanimados cantando. Mas a música era dada pela animação de Violet, que Lygia podia ver colorindo o ar em tons pastéis. E naquele momento, ela sentiu muita pena por Caliope.

- Ora, vamos… Não é tão ruim… - a garota apontou para a mesa, como se fosse algo casual.



Caliope olha o comentário da amiga e sorri, o mesmo sorriso triste de antes. De longe Violet acena para as meninas.

- Venham! Tem bolo quentinho! - Caliope se adiantou a frente de Lygia e correu para os braços da mãe, um abraço apertado e quentinho. - Acho que alguém estava com saudade, papai. - Violet comenta.  Douglas olha por cima dos óculos e retoma para o jornal .

As meninas sentam-se à mesa, Violet estava tão feliz. Como toda mãe, tentava encher Lygia de comidas. Caliope via aquilo e por alguns segundos pensou em deixar para lá. Deixar que outra pessoa fizesse aquilo. Mas foi surpreendida.
- Violet, nosso passarinho tem algo a te dizer…  - Diz Douglas num tom de voz sério, enquanto põe o jornal sobre a mesa. Cruza os braços e fixa o olhar na neta, como se desse apoio para ela. Calíope, tinha a xícara de chá encostada nos lábios.

- O que foi meu amor? - A mãe estava pegando a chaleira para por água em sua xícara. Não levanta o olhar, sua atenção está em não fazer um desastre.

- O Giovanni morreu. - A jovem lira diz seca, sem emoção alguma na voz, beberica mais um pouco de seu chá e levanta a cabeça para olhar sua genitora.


Mesmo estando preparada, Lygia quase tossiu.

ISSO ERA JEITO, CALÍOPE?!

Lygia não se moveu, nem disse nada. Apenas passou os olhos de um lado para o outro da mesa, pronta para fazer a contenção de danos que fosse necessária.


Violet levanta a chaleira de forma que a  água parasse , seus olhos arregalados miravam somente a xícara, sua respiração acelerada, as mãos trêmulas. O destino de todos é a morte, mas nunca pensou que a de seu amado chegasse tão cedo.


-O Giovanni… - As lágrimas estavam contidas na garganta de Violet, que colocava uma das mão no coração.

De um lado da mesa, Douglas observando a reação da filha, do outro, Calíope bebia calmamente seu chá.

- O- o que aconteceu? - O choro veio.

- Ele tentou me salvar. Não pedi nada.  - Põe a xícara na mesa e continua com seu ar de indiferença.

- E VOCÊ FALA ISSO ASSIM? Calíope, ele é seu pai.

- E? Olha, mãe, desculpa, mas você sabe que…

- CALA A BOCA. PENSA ANTES DE FALAR! SEU PAI MORREU E VOCÊ TÁ NEM AÍ PARA ISSO? ELE MORREU POR SUA CULPA E VOCÊ…

- CULPA MINHA NÃO! EU NÃO PEDI PARA SER SALVA - Os nervos estavam à flor da pele, Calíope e sua mãe gritavam uma com a outra. Violet, assim como a maioria, estava inconformada como a filha tratava a situação.  
A essa altura as duas estavam de pé, Violet caminha até Calíope, tem um misto de raiva e decepção no olhar, alias deles caem doloridas lágrimas. Douglas mantém sua postura.

-ELE FOI UM IDIOTA, NÃO PRECISAVA ESTAR LÁ, FOI UM BABA…- Violet toma uma atitude que ninguém esperava, talvez nem ela. De Repente um silêncio paira sobre o lugar e fica só o eco do tapa que acabará de dar no rosto de Calíope.
- Você pode falar assim dele lá fora, na minha frente não, Calíope. Seu pai te amava, muito mais do que você  pode imaginar.  - Douglas levanta ao ver o ato impensado da filha, põe as mão nos ombro dela.

- Parabéns, Violet… Você criou um conto de fadas e acredita nele cegamente. FICA COM O SEU CONTO DE FADAS, COM UM PRÍNCIPE INÚTIL QUE NÃO HONROU A PALAVRA DELE, QUE LARGOU VOCÊ POR UMA OUTRA QUALQUER PORQUE SABIA QUE VOCÊ ERA IDIOTA O SUFICIENTE PARA ESPERAR POR ELE!

- CHEGA! O patriarca da família toma a frente da situação. - Violet, você não devia ter feito isso e Calíope, entenda a dor de sua mãe…
- Eu não te reconheço mais, você… Cadê o meu passarinho doce e gentil …- Violet deixa o recinto correndo, aos prantos.

Calíope está estática,  respira fundo. Sabia que a mãe defenderia Giovanni com unha e dentes, mas não esperava aquela reação. Agora, começava a se arrepender da forma como disse e de tudo o que falou.  Calmamente ela começa a andar na direção oposta a mãe.


-Deixa ela. Ela vai pro lago. - Douglas finalmente fala com Lygia, passa a mão no rosto e depois cruza os braços. - Sabe, Lygia, eu sempre fui contra o relacionamento dos dois. Mas minha esposa não, ela dava força a Violet. Giovanni foi muito importante na vida da minha filha. Quando a mãe dela se foi, ele estava lá para consolar, ainda não tinha juízo. Mas ele ficou ao lado dela. - Se senta na cadeira que antes Calíope ocupava. - Ai, veio Calíope, a luz dos meus dias. Maccaferri me fez uma promessa e não cumpriu. Eu agradeci aos céus quando ele sumiu. Entretanto, Violet… Ela sempre criou a ilusão de que ele voltaria, mesmo depois de anos sem mandar uma carta. Na verdade…  - o velho põe a mão no bolso do terno e tira um envelope meio amarelado. - Ele mandou uma. Uma semana antes do aniversário da passarinho. Violet nunca leu essa carta. Nela, ele pedia desculpas e permissão para vir ao encontro da filha, dizia esperar uma resposta. A resposta dele nunca chegou. Eu queria que ele sentisse o que minhas meninas sentiram por tantos anos.
Ele joga a carta na mesa, suspira fundo, sentia culpa. Seu olhar para Lygia ainda assim era calmo.
- Quando aquela amazona apareceu aqui, com minha neta nos braços, chorando, tomei a decisão de contar a Calíope o que o pai dela era. Um covarde, um pilantra, alimentei nela a fagulha de raiva e ressentimento. Eu tenho culpa. Indiretamente, eu tenho culpa. Infelizmente, eu não posso mudar o passado, mas posso tentar melhorar o presente. - Empurra a carta na direção da pavoa lentamente. - Vá direto, depois daquela árvore, vire à esquerda. Calíope deve estar sentada próxima ao lago


Lygia assistia àquele desastre comunicativo em silêncio. Confessaria que vira o tapa vindo, anunciado pelos tons rubros que substituíram os delicados tons pastéis de antes. Mas haviam aquelas manchas cinzentas de tristeza que Lygia acreditava que seriam capazes de segurar a mão da mulher.

Mas ela estava enganada. Tanto que o silêncio que se seguiu fora resultado do choque e surpresa de todos os lados,quebrado pelos passos apressados e opostos de mãe e filha.

E finalmente, o avô que já sabia de tudo, se aproximou, como que explicando o que aconteceu. Lygia ouviu a explicação até o final e por fim, encarou o homem com um olhar que não compartilhava de sua opinião.

- Com todo o respeito sr. Douglas… Mas o senhor não devia se dar tanto crédito. - ela cruzou as pernas, olhando na direção que Calíope seguira - Amar ou odiar alguém, guardar rancor ou perdoar, lutar ou desistir… Essas são escolhas que fazemos todos os dias, todas as horas de nossas vidas. Não há fagulha que queime para sempre sem nossa escolha de abana-lá. Até por que, senão estou enganada, sra. Violet alimentava muito bem os fagulha bem diferente. - ela se levantou, olhando agora na direção que Violet havia corrido - Um amigo um dia me disse… Dentro de nós vivem dois lobos; e ganha aquele que decidimos alimentar. Hoje… Vamos descobrir quais lobos elas andaram alimentando. - feito isso, ela se virou na direção que Violet havia corrido.

- Agora, com sua licença… Eu preciso ir fazer meu trabalho.

E assim, Lygia começava a contenção de danos.



Um sentimento de tristeza e mágoa tomava conta de Violet. Aquela notícia inesperada e dada de uma forma tão abrupta, como se uma vida não tivesse nenhum valor, como se fosse apenas mais uma morte.

Os passos rápidos indo em direção ao quarto, passa pelos empregados não dando tempo a nenhum deles de questionar nada, e então um barulho ensurdecedor da porta sendo fechada. Um choro incessante, uma dor em seu peito como se ela também fosse morrer.

Mnemosine nesses momentos era muito cruel com os seres, Violet (re)visitava os momentos -felizes e tristes -  que viveu com o amado. Ficou tão surpresa quando ele reapareceu. O amor que ela sentia, conseguia esquecer qualquer coisa do passado.


-Ah, mio bambino… - murmurou entre o choro.

Mas não era somente aquela morte que doía seu coração,  forma como sua filha estava lidando com aquilo também a incomodava. Violet nunca criou a filha para ter raiva do pai, mas parece que tinha ocorrido o oposto.

Estava parada no meio do quarto, desorientada. Vai até o armário e pega uma caixa rosa que continha várias cartas e fotos. Abraça uma, como se aquela ação fosse adiantar algo. A foto era antiga, nela se via dois jovens apaixonados sobre as luzes de Paris.  O corpo de Violet cai na cama, esta tem seus lençóis molhados pelas lágrimas. Na cabeceira da cama , Tristão e Isolda, curiosamente, Isolda também tinha perdido seu amado para “aventura”.



Não foi exatamente difícil encontrar Violet. Mesmo que Lygia não seguisse o rastro de dor, raiva e decepção, ela podia só seguir os empregados confusos. Suspirou ao se ver diante das portas, enquanto analisava o que poderia fazer.

Ela então bateu na porta três curtas e firmes vezes.

- Tia? - ela chamou num tom de voz preocupado, talvez um pouco abusando da intimidade que lhe fora oferecida a tão pouco tempo - Tia, a senhora está aí? - era óbvio que ela estava ali, ao menos, fisicamente.

Mas aquela pergunta dava a Violet a chance de privacidade sem ter que mandá-la embora diretamente. Bastava que ela ficasse em silêncio.



Violet senta na cama, enxuga o rosto, respira fundo, por alguns tempo esqueceu que Lygia também estava na mesa, e começou a sentir vergonha de tudo o que aconteceu na frente da visita.

-Sim, minha querida. Deseja algo? - perguntou docemente.

Enquanto isso, a amazona de lira estava sentada na grama, olhando o lago e seus peixinhos. Douglas chega, entrega a carta a neta que recebe sem entender nada. Ele explica toda a situação a ela.


-Você decide o que fazer com ela…
- dá as costas para uma Calíope pensativa,  decepcionada, que está abrindo a carta.



Lygia podia ver tons mais amenos de vermelho escapando por baixo da porta, e sabia que Violet sentia vergonha. Bom… era melhor do que a raiva escarlate de antes. Ela suspirou, abrindo a porta o suficiente para se esgueirar para dentro do quarto, fechando-a logo atrás de si.

- Na verdade tia… eu gostaria de confessar o real motivo de ter vindo aqui hoje... - ela admitiu, se recostando à porta fechada, para poder fingir não notar as fotos na cama - A verdade, é que eu vim ser o advogado do diabo. Não só para a senhora, mas para a Calie também. - ela começou com uma introdução bem estranha para aquele tipo de situação, mas fazia parte de seu plano.

Lygia olhou em volta por um instante, como que procurando as palavras, mas dava tempo para Violet se compor e também absorver o que dizia.

- Primeiro, eu posso prometer à senhora que não era bem daquele jeito que ela havia planejado que esse momento acontecesse, mas acho que a senhora sabe melhor do que eu que a Calie não é lá muito… fluente nos próprios sentimentos. - ela começou sua explicação sem realmente defender ou acusar a amiga. Ela queria que Violet visse nela a imparcialidade de quem está tentando tirar o melhor de um desastre - Pelo o que eu vejo de fora, ela foi machucada de várias formas diferentes, em várias épocas diferentes. E cada um desses machucados deixou uma marca difícil de apagar. - Lygia tinha pouca informação, era verdade, mas também, não era exatamente difícil de deduzir com o que tinha - Eu não vi como ela conseguiu as cicatrizes dela na infância, mas eu a vi ganhar as do Santuário. Calie é uma amazona extremamente competente, mas ninguém nunca a enxergou como mais do que “a filha de Cefeu”. Ele tentou protegê-la, mas nunca perguntou para ela se ela queria essa proteção. Nunca a chamou para lutarem juntos contra a ameaça. E no fim, ele se sacrificou para salvá-la, e ela não teve sequer a chance de poder começar a curar as suas cicatrizes, que ficarão lá para sempre. - ela pegou ar, recuando um passo, como se apenas trocasse o peso do corpo de perna - Então, em cima de todas as frustrações, orgulho ferido, rejeição… ela ainda está lidando com a culpa de ter lhe tirado sua pessoa mais amada. Não acho que foi nada certo a forma que ela agiu, mas também… de novo, não era a intenção dela. - Lygia se voltou para a porta, alcançando a maçaneta, mas parou por um segundo - Se a senhora quiser conversar mais um pouco, sempre pode me chamar. Eu sei que sou só uma adolescente, mas dizem por aí que eu sei ouvir as pessoas. - ela deu de ombros, pronta para deixar Violet com seus velhos pensamentos e suas novas informações.



Violet observou aquele ser jovem se esgueirar e entrar em seu quarto, admirou o coragem  da menina. Se todos ao redor de Calíope fossem assim, então sabia que a filha andava com a pessoas certas.  Deixou que Lygia tecesse toda sua defesa a favor da amiga para, depois de um longo suspiro, finalmente falar.

-Minha filha nunca soube lidar muito bem com seus alguns sentimentos e acho que isso foi piorando com os anos. Eu gostava de pensar que ela só tinha uma forma diferente de expressar, que ela usava a música, mas hoje vejo que talvez estivesse errada. - Uma lágrima ainda escorria de seu rosto. - Mas esse ódio, Lygia, eu nunca o alimentei. Pelo contrário, sempre briguei com meu pai quando ela falava mal de Giovanni, sempre falei da pessoa maravilhosa que ele era. As pessoas erram, mas elas são mais do que seus erros. Eu sempre vi isso nele, sempre, mesmo depois de anos sem me notícias. Quando ele apareceu,  eu o perdoei, porque eu via além das coisas ruim. Calie nunca conseguiu isso. Ele não tem culpa de chamarem ela desse jeito. - a cada lembrança , uma nova lágrima caia. - Ela nunca deu a ela oportunidade. Se fechou no mundo dela , nem para mim. Calíope mudou muito depois do encontro com o Pai. Sempre foi uma briga nossa ela tratar ele do jeito que tratava. Calíope tem que perdoar os erros e aceitá-lo. Ela está tratando tudo isso como se… Como se ele fosse um desconhecido. Ele é pai dela. Querendo ela ou não.  -  enxuga o que corre -  Admiro e agradeço, mas as coisas só vão mudar para ela, quando Calíope reconhecer ele e os esforços dele. Fora isso, a sombra dele vai sempre recair nela.


Lygia suspirou, soltando a maçaneta. Era realmente tão difícil assim? Ela se voltou para Violet, com uma expressão que entre pena e decepção, completamente inadequada para sua posição e idade.

- Exatamente, tia. A senhora sempre viu. A senhora o conheceu e a senhora sempre falou da pessoa maravilhosa que ele era. - ela resumiu os pontos que a própria Violet trouxera à baila - Mas a Calie só fez colecionar presentes não entregues, teve apresentações ausentes e uma explicação um tanto quanto rasa para isso, na minha opinião. Ela também não tem culpa de ser chamada daquela forma. A diferença é que aquilo a machuca, mas para ele nunca fez diferença. É como se ela fosse diariamente lembrada do que ela sempre quis e nunca pode ter. - ela tirou a franja dos olhos, tentando ser educada - Eu tenho um problema constante com patentes e posições, sabe? Esperam que eu respeite alguém por seu status ou fama. Mas a verdade é que eu sou bem pouco sensível à isso. Então… Eu pessoalmente acredito que todos devem fazer por merecer suas posições. Com cada um ao seu redor. Sim, ele é o pai dela. Mas quando que ele agiu como tal? - ela lançou a pergunta, que num tom retórico - Talvez eu só não me lembre disso, pois já faz muito tempo que perdi minha família. Mas hoje eu não consigo deixar de me perguntar… Por que as pessoas esperam respeito, perdão e amor incondicional derivado de algo tão casual quanto um laço sanguíneo?

Lygia não falava com ironia, nem demonstrava despeito. Ela só trazia à luz uma visão talvez um pouco diferente das coisas. Só esperava estar a uma distância segura da mulher; não queria ter que fugir de um tapa.



Se Calíope não tinha retribuído o tapa, Lygia foi lá e o fez. Violet não sabia o que dizer a menina, apenas se perguntava como tão pouca idade podia trazer ela tais palavras.
Entretanto, talvez a falta de vivência de Violet nos meios do Santuário, não deixavam a ver a situação de forma justa.


-Porque é esse laço que deu a vida… - Violet não estava muito contente com o que acabara de ouvir, mas mantinha postura e ar de sabedoria-  Um dia, minha pequena, você vai ter um grande amor, vai formar uma família e vai entender tudo isso.  Agradeço por ter vindo aqui , mas eu gostaria de ficar sozinha agora.

Às vezes as pessoas se cegam de suas convicções, Violet não demonstrava querer entender a filha e , assim como a maioria no Santuário, colocava Giovanni num pedestal.

Enquanto isso, Caliope voltava para dentro de sua Mansão, parecia calma e pensativa, mesmo que sua face estivesse vermelha devido ao choro. Seus passos lentos a levavam até o escritório de seu avô, onde o mesmo já estava, trabalhando.  Ela se aconchega na poltrona, na mesa a sua frente havia um livro , o preferido de sua avó. Era um livro de pinturas e suas histórias.  Abre a página numa imagem e fica a observá-la.


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Orfeu pedindo a Hades para trazer sua amada de volta, imediatamente as palavras de Leila surgem em sua cabeça. Ela havia comentado sobre a história se repetir.... Será?


Lygia dá de ombros, oferecendo à Violet a privacidade que ela pedia. A garota sabia, que apesar da resposta automática, Violet havia se incomodado com o que ouvira.

Bom, se a carapuça servira, o trabalho dela estava concluído; Violet teria muito o que pensar até encontrar a filha novamente.

Agora… Falando em encontrar… Lygia vigor a passividade de Caliope ainda estar no lago. Mas ela também não queria andar até lá de graça.

Elas não estavam em território hostil, nem em missão secreta. De forma que ela apenas suspirou e deixou seu cosmo dar um pico. Onde aquela garota havia se enfiado?

- Achei você. - Lygia comemorou, tomando a direção quase que oposta ao lago. Ainda bem que não teve que ir até lá para descobrir, ou Caliope estaria com problemas.

- E o que eu vou fazer com você agora? - Lygia entrou no escritório, acenando rapidamente para Douglas, mas se dirigindo à Caliope.

Apertar do conteúdo da frase, a voz dela não estava com raiva, nem repreendia. Era mais como uma irmã mais velha, exasperada pela falta de juízo da mais nova. Apesar de Lygia ser bem mais nova que a outra.



Calíope joga a cabeça para trás afim de olhar para Lygia. Douglas retribui o gesto da menina e levanta de seu lugar, saindo do escritório para deixar as duas conversando.

-Vovô disse que estava lá com minha mãe…- ajeita a cabeça e continua a olhar a imagem no livro. -Ela ainda está lá morrendo de chorar por ele né?!

A amazona não conseguia compreender como a mãe ainda amava Giovanni mesmo depois de tudo o que ele fez. Não entrava em sua cabeça, como podia perdoá-lo.

-Meu avô disse que vovó adorava esse livro, pq ela adorava pinturas. Meu nome, foi ela que escolheu, quando eu ainda nem tinha nascido. Ela dizia que era sua musa preferida. Curiosamente, é a musa mãe de Orfeu…


- Interessante. - Lygia comentou sobre o livro, acenando para Douglas enquanto ele saia.

- Na verdade, ela está pensando em outras coisas agora. - Lygia respondeu com ar de suspense, mas suspirou, mudando de assunto - Achei que você estava preocupada em evitar que aquilo acontecesse. Você quer me explicar o que aconteceu lá atrás? - ela indagou, caindo numa poltrona diante de Caliope.



-Ué, eu disse o que devia ter sido dito. Para quê eu ia ficar enrolando em contar que ele morreu? Ele morreu e ponto. Ela vai ter que aceitar. Por enquanto é a verdade que ela terá que aceitar…- disse entregando o livro para Lygia. - Pelo menos até eu descobrir como chegar até lá….- aponta para a imagem . - Quando eu estava na enfermaria, Leila me disse algo sobre repetir a história… -  Caliope levanta da poltrona, de braços cruzados ela segue até uma prateleira onde há uma foto dela e da mãe. -  Ta afim de dar uma passeada pelo Inferno, Lygia?

Ela não sabia como chegar, dificilmente alguém iria contar, afinal era quase uma missão suicida. Hades era um Deus traiçoeiro e Caliope não tinha muito a dar, mas por seu amor a mãe, para que todos pudessem reconhecer ela como mais que filha de Giovanni, ela estava disposta a ir ao Inferno…


- Ah, claro. Dizem que é muito agradável lá nessa época do ano... - ela fechou o livro com força, fazendo um ligeiro estrondo - BEBEU ÁGUA DO LETE?!

Lygia inspirou fundo, deixando o livro sobre a mesa ao lado.  

- Para alguém tão inteligente, você está sendo meio burra... - ela criticou, cruzando os braços - Você me pediu para vir com você aqui por que não queria machucar sua mãe. Pois bem, nós não vamos a lugar nenhum - o inferno incluído - até você se entender com ela.

Ela pegou ar de novo, olhando para o teto dessa vez.

- O problema não foi o que você disse, mas a forma com a qual você disse. Você não foi direta; você foi propositalmente insensível. E eu sei que isso é mentira. - ela declarou, com a voz munida de uma certeza difícil de ser contestada - Eu já te falei isso antes da gente sair do Santuário e vou repetir; você não precisa ficar de luto por ele, não precisa chorar, perdoar o que ele fez, muito menos jurar amor eterno e sair falando o quanto ele era fenomenal. - Lygia não conseguia se acostumar a ter que explicar aquele tipo de sutileza. Não era uma questão de Caliope ser quem ela era. Mas é que ela tinha que explicar aquilo com uma frequência assustadora - Empatia não é oferecida aos mortos, mas aos vivos. Ele foi um traste de pai, e isso eu não estou discutindo. Mas… ele foi o amor da vida da sua mãe até o final. - Lygia podia ter sido dura com Violet, mas ela sentira a profundidade da ferida em seu coração, e se solidarizou com ela - Então, esqueça de quem ele era. Anule seus sentimentos, finja se você quiser. Imagine que você veio dar a notícia da morte de um estranho. Você teria se comportado igual diante de uma esposa que perdeu o marido? - ela lançou a última pergunta, olhando para diretamente para Caliope.



É, parecia que ela estaria sozinha naquela jornada. Mas não podia exigir nada de Lygia, ela já estava sendo algo que não era nem obrigação dela. Um suspiro longo de alguém que tinha poucas esperanças. A Pavoa então começou seu discurso, um esporro na verdade.
A resposta para pergunta dela era “Não”, Caliope teria agido totalmente diferente. Começava a reconhecer seu erro, mas ela não sabia como poderia ter dito aquilo, já que contava com a ajuda do avô e este simplesmente deixou ela sozinha para dar a notícia. Continuou olhando para o retrato, Violet nunca havia levantado um dedo sequer para ela…

- Olha, Lygia, eu não sabia o que dizer e como dizer... – estava sendo sincera, não sabia lidar com aquele tipo de situação. -  Eu não consigo entender todo esse amor dela por ele, mesmo depois de anos, ele não voltou pra ela. Eu duvido muito que ele tenha dito o que sente pra ela... Mas mesmo assim ela segue amando ele e exigindo que eu tenha o mesmo sentimento. – Agora ela não estava sendo totalmente sincera. Caliope sabia sim, pois um dia compartilhou desse sentimento. Este agora estava coberto por uma grossa e dura camada de sentimentos ruins.
Puxa a carta do bolso, estava aberta, mas não lida, não teve coragem. Observa ela por alguns segundos cabisbaixa e recolocá-la no lugar. O relógio apita, era hora de ir embora, ou pelo menos era isso que Lira queria naquele momento. Sair dali, até que tudo se acalmasse sozinho.

-Você está mentindo. – Violet entra no recinto, aquele tom de voz doce, acompanhado de um sorriso triste. – O que eu já te disse sobre mentiras?!   - Caminhou lentamente até a filha e Lygia e se pôs entre as duas. Passa a mão pelos cabelos da filha. -  Eu vou te entender se você também me entender, Caliope. Não é , Lygia?


Lygia suspirou satisfeita. Parece que alguma coisa estava entrando naquela cabeça dura. Engraçado como a genética funcionava...

- Você não precisa entender nada. Pois isso não lhe diz respeito. - ela explicou, quase rindo - Você precisa focar no que importa. Você ama sua mãe, e ele a fazia feliz. Não é suficiente?

E Violet entrava na sala, fazendo o sorriso satisfeito de Lygia aumentar um pouco mais. Ela cruzou os braços atrás da cabeça, numa postura relaxada.

- Geralmente é assim que funciona, tia.    



Então, um abraço. Caliope e Violet se abraçam como se estivessem selando a paz. Finalmente elas estariam se entendendo? Não! A amazona só não queria ficar naquele tipo de situação com a mãe, por isso baixa seu orgulho.
-É, mãe.   – Recebe o beijo da genitora na testa.
-Você é o presente mais lindo que eu recebi. Eu não queria ter feito aquilo, desculpa.   – Põe as mãos no rosto da filha, fazendo um carinho e ajeitando a franja. – Tenha juízo, querida, só te peço isso, juízo.   -  Depois da filha, ela se vira para Lygia. -  Obrigada. – Abraça a Pavoa carinhosamente e também beija sua testa. – Bem, estão com fome ainda? Pedirei para reporem as coisas lá na sala de jantar! 20 min!
A amazona de lira observa a cena, sorri, sua mãe realmente havia gostado de Lygia. Logo que Violet sai, Caliope se joga na poltrona.
-Parece que Dona Violet arrumou mais uma pra babar... – Cruzava os braços – Agora se prepare pra ter uma ‘Tia’ protetora no seu encalço. E tenha certeza que toda vez que eu vier, ela vai fazer questão que você também venha! – Riu. – Desculpa, minha mãe não sabe lidar com amizades...Eu nunca fiz ela passar por isso.  


Lygia apenas riu, satisfeita que aparentemente as coisas havia se acalmado. Ao menos, por enquanto. Ela sabia que aquele assunto ainda ia voltar para assombrar Caliope. Ela só precisava… de tempo.

- Acho que consigo lidar com esse fardo. - Lygia colocou uma mão sobre a testa, arqueando o corpo para trás, dramática. E então ela retornou à posição normal, olhando para Caliope com uma sobrancelha erguida em curiosidade e interesse.

- E o que a gente vai fazer no Inferno mesmo?

Sad song say so much EmHAgsJ


Última edição por Lygia em Qui Abr 02, 2020 6:37 pm, editado 1 vez(es) (Motivo da edição : Codes)